Querido Brasil,
O Carnaval acabou. O “ano novo” finalmente vai começar e eu
estou te deixando para voltar para o meu país.
Assim como vários outros gringos, eu também vim para cá pela
primeira vez em busca de festas, lindas praias e garotas. O que eu não poderia
imaginar é que eu passaria a maior parte dos 4 últimos anos dentro das suas
fronteiras. Aprenderia muito sobre a sua cultura, sua língua, seus costumes e
que, no final deste ano, eu me casaria com uma de suas garotas.
Não é segredo para ninguém que você está passando por alguns
problemas. Existe uma crise política, econômica, problemas constantes em
relação à segurança, uma enorme desigualdade social e agora, com uma possível
epidemia do Zika vírus, uma crise ainda maior na saúde.
Durante esse tempo em que estive aqui, eu conheci muitos
brasileiros que me perguntavam: “Por que? Por que o Brasil é tão ferrado? Por
que os países na Europa e América do Norte são prósperos e seguros enquanto o
Brasil continua nesses altos e baixos entre crises década sim, década não?”
No passado, eu tinha muitas teorias sobre o sistema de governo,
sobre o colonialismo, políticas econômicas, etc. Mas recentemente eu cheguei a
uma conclusão. Muita gente provavelmente vai achar essa minha conclusão meio
ofensiva, mas depois de trocar várias ideias com alguns dos meus amigos, eles
me encorajaram a dividir o que eu acho com todos os outros brasileiros.
Então aí vai: é você.
Você é o problema.
Sim, você mesmo que está lendo esse texto. Você é parte do
problema. Eu tenho certeza de não é proposital, mas você não só é parte, como
está perpetuando o problema todos os dias.
Não é só culpa da Dilma ou do PT. Não é só culpa dos bancos, da
iniciativa privada, do escândalo da Petrobras, do aumento do dólar ou da
desvalorização do Real.
O problema é a cultura. São as crenças e a mentalidade que fazem
parte da fundação do país e são responsáveis pela forma com que os brasileiros
escolhem viver as suas vidas e construir uma sociedade.
O problema é tudo aquilo que você e todo mundo a sua volta
decidiu aceitar como parte de “ser brasileiro” mesmo que isso não esteja certo.
Quer um exemplo?
Imagine que você está de carona no carro de um amigo tarde da
noite. Vocês passam por uma rua escura e totalmente vazia. O papo está bom e
ele não está prestando muita atenção quando, de repente, ele arranca o
retrovisor de um carro super caro. Antes que alguém veja, ele acelera e vai
embora.
No dia seguinte, você ouve um colega de trabalho que você mal
conhece dizendo que deixou o carro estacionado na rua na noite anterior e ele
amanheceu sem o retrovisor. Pela descrição, você descobre que é o mesmo carro
que seu brother bateu “sem querer”. O que você faz?
A) Fica quieto e finge que não sabe de nada para proteger seu
amigo? Ou
B) Diz para o cara que sente muito e força o seu amigo a assumir a
responsabilidade pelo erro?
Eu acredito que a maioria dos brasileiros escolheria a alternativa
A. Eu também acredito que a maioria dos gringos escolheria a alternativa B.
Nos países mais desenvolvidos o senso de justiça e
responsabilidade é mais importante do que qualquer indivíduo. Há uma
consciência social onde o todo é mais importante do que o bem-estar de um só. E
por ser um dos principais pilares de uma sociedade que funciona, ignorar isso é
uma forma de egoísmo.
Eu percebo que vocês brasileiros são solidários, se sacrificam e
fazem de tudo por suas famílias e amigos mais próximos e, por isso, não se
consideram egoístas.
Mas, infelizmente, eu também acredito que grande parte dos
brasileiros seja extremamente egoísta, já que priorizar a família e os amigos
mais próximos em detrimento de outros membros da sociedade é uma forma de
egoísmo.
Sabe todos aqueles políticos, empresários, policiais e
sindicalistas corruptos? Você já parou para pensar por que eles são corruptos?
Eu garanto que quase todos eles justificam suas mentiras e falcatruas dizendo:
“Eu faço isso pela minha família”. Eles querem dar uma vida melhor para seus
parentes, querem que seus filhos estudem em escolas melhores e querem viver com
mais segurança.
É curioso ver que quando um brasileiro prejudica outro cidadão
para beneficiar sua famílias, ele se acha altruísta. Ele não percebe que
altruísmo é abrir mão dos próprios interesses para beneficiar um estranho se
for para o bem da sociedade como um todo.
Além disso, seu povo também é muito vaidoso, Brasil. Eu fiquei
surpreso quando descobri que dizer que alguém é vaidoso por aqui não é
considerado um insulto como é nos Estados Unidos. Esta é uma outra
característica particular da sua cultura.
Algumas semanas atrás, eu e minha noiva viajamos para um famoso
vilarejo no nordeste. Chegando lá, as praias não eram bonitas como imaginávamos
e ainda estavam sujas. Um dos pontos turísticos mais famosos era uma pedra que
de perto não tinha nada demais. Foi decepcionante.
Quando contamos para as pessoas sobre a nossa percepção, algumas
delas imediatamente disseram: “Ah, pelo menos você pode ver e tirar algumas
fotos nos pontos turísticos, né?”
Parece uma frase inocente, mas ela ilustra bem essa questão da
vaidade: as pessoas por aqui estão muito mais preocupadas com as aparências do
que com quem eles realmente são.
É claro que aqui não é o único lugar no mundo onde isso
acontece, mas é muito mais comum do que em qualquer outro país onde eu já
estive.
Isso explica porque os brasileiros ricos não se importam em
pagar três vezes mais por uma roupa de grife ou uma jóia do que deveriam, ou
contratam empregadas e babás para fazerem um trabalho que poderia ser feito por
eles. É uma forma de se sentirem especiais e parecerem mais ricos. Também é por
isso que brasileiros pagam tudo parcelado. Porque eles querem sentir e mostrar
que eles podem ter aquela super TV mesmo quando, na realidade, eles não tenham
dinheiro para pagar. No fim das contas, esse é o motivo pelo qual um brasileiro
que nasceu pobre e sem oportunidades está disposto a matar por causa de uma
motocicleta ou sequestrar alguém por algumas centenas de Reais. Eles também
querem parecer bem sucedidos, mesmo que não contribuam com a sociedade para
merecer isso.
Muitos gringos acham os brasileiros preguiçosos. Eu não
concordo. Pelo contrário, os brasileiros tem mais energia do que muita gente em
outros lugares do mundo (vide: Carnaval).
O problema é que muitos focam grande parte da sua energia em
vaidade em vez de produtividade. A sensação que se tem é que é mais importante
parecer popular ou glamouroso do que fazer algo relevante que traga isso como
consequência. É mais importante parecer bem sucedido do que ser bem sucedido de
fato.
Vaidade não traz felicidade. Vaidade é uma versão “photoshopada”
da felicidade. Parece legal vista de fora, mas não é real e definitivamente não
dura muito.
Se você precisa pagar por algo muito mais caro do que deveria
custar para se sentir especial, então você não é especial. Se você precisa da
aprovação de outras pessoas para se sentir importante, então você não é
importante. Se você precisa mentir, puxar o tapete ou trair alguém para se
sentir bem sucedido, então você não é bem sucedido. Pode acreditar, os atalhos
não funcionam aqui.
E sabe o que é pior? Essa vaidade faz com que seu povo evite
bater de frente com os outros. Todo mundo quer ser legal com todo mundo e acaba
ou ferrando o outro pelas costas, ou indiretamente só para não gerar confronto.
Por aqui, se alguém está 1h atrasado, todo mundo fica esperando
essa pessoa chegar para sair. Se alguém decide ir embora e não esperar, é visto
como cuzão. Se alguém na família é irresponsável e fica cheio de dívidas, é
meio que esperado que outros membros da família com mais dinheiro ajudem a
pessoa a se recuperar. Se alguém num grupo de amigos não quer fazer uma coisa
específica, é esperado que todo mundo mude os planos para não deixar esse amigo
chateado. Se em uma viagem em grupo alguém decide fazer algo sozinho, este é
considerado egoísta.
É sempre mais fácil não confrontar e ser boa praça. Só que onde
não existe confronto, não existe progresso.
Como um gringo que geralmente não liga a mínima sobre o que as
pessoas pensam de mim, eu acho muito difícil não enxergar tudo isso como uma
forma de desrespeito e auto-sabotagem. Em diversas circunstâncias eu acabo
assistindo os brasileiros recompensarem as “vítimas” e punirem àqueles que são
independentes e bem resolvidos.
Por um lado, quando você recompensa uma pessoa que falhou ou
está fazendo algo errado, você está dando a ela um incentivo para nunca
precisar melhorar. Na verdade, você faz com que ela fique sempre contando com a
boa vontade de alguém em vez de ensina-la a ser responsável.
Por outro lado, quando você pune alguém por ser bem resolvido,
você desencoraja pessoas talentosas que poderiam criar o progresso e a inovação
que esse país tanto precisa. Você impede que o país saia dessa merda que está e
cria ainda mais espaço para líderes medíocres e manipuladores se prolongarem no
poder.
E assim, você cria uma sociedade que acredita que o único jeito
de se dar bem é traindo, mentindo, sendo corrupto, ou nos piores casos, tirando
a vida do outro.
As vezes, a melhor coisa que você pode fazer por um amigo que
está sempre atrasado é ir embora sem ele. Isso vai fazer com que ele aprenda a
gerenciar o próprio tempo e respeitar o tempo dos outros.
Outras vezes, a melhor coisa que você pode fazer com alguém que
gastou mais do que devia e se enfiou em dívidas é deixar que ele fique
desesperado por um tempo. Esse é o único jeito que fará com que ele aprenda a
ser mais responsável com dinheiro no futuro.
Eu não quero parecer o gringo que sabe tudo, até porque eu não
sei. E deus bem sabe o quanto o meu país também está na merda (eu já escrevi aqui sobre
o que eu acho dos EUA).
Só que em breve, Brasil, você será parte da minha vida para
sempre. Você será parte da minha família. Você será meu amigo. Você será metade
do meu filho quando eu tiver um.
E é por isso que eu sinto que preciso dividir isso com você de
forma aberta, honesta, com o amor que só um amigo pode falar francamente com
outro, mesmo quando sabemos que o que temos a dizer vai doer.
E também porque eu tenho uma má notícia: não vai melhorar tão
cedo.
Talvez você já saiba disso, mas se não sabe, eu vou ser aquele
que vai te dizer: as coisas não vão melhorar nessa década.
O seu governo não vai conseguir pagar todas as dívidas que ele
fez a não ser que mude toda a sua constituição. Os grandes negócios do país
pegaram dinheiro demais emprestado quando o dólar estava baixo, lá em 2008-2010
e agora não vão conseguir pagar já que as dívidas dobraram de tamanho. Muitos
vão falir por causa disso nos próximos anos e isso vai piorar a crise.
O preço das commodities estão extremamente baixos e não
apresentam nenhum sinal de aumento num futuro próximo, isso significa menos
dinheiro entrando no país. Sua população não é do tipo que poupa e sim, que se
endivida. As taxas de desemprego estão aumentando, assim como os impostos que
estrangulam a produtividade da classe trabalhadora.
Você está ferrado. Você pode tirar a Dilma de lá, ou todo o PT.
Pode (e deveria) refazer a constituição, mas não vai adiantar. Os erros já
foram cometidos anos atrás e agora você vai ter que viver com isso por um
tempo.
Se prepare para, no mínimo, 5-10 anos de oportunidades perdidas.
Se você é um jovem brasileiro, muito do que você cresceu esperando que fosse
conquistar, não vai mais estar disponível. Se você é um adulto nos seus 30 ou
40, os melhores anos da economia já fazem parte do seu passado. Se você tem mais
de 50, bem, você já viu esse filme antes, não viu?
É a mesma velha história, só muda a década. A democracia não
resolveu o problema. Uma moeda forte não resolveu o problema. Tirar milhares de
pessoa da pobreza não resolveu o problema. O problema persiste. E persiste
porque ele está na mentalidade das pessoas.
O “jeitinho brasileiro” precisa morrer. Essa vaidade, essa mania
de dizer que o Brasil sempre foi assim e não tem mais jeito também precisa
morrer. E a única forma de acabar com tudo isso é se cada brasileiro decidir
matar isso dentro de si mesmo.
Ao contrario de outras revoluções externas que fazem parte da
sua história, essa revolução precisa ser interna. Ela precisa ser resultado de
uma vontade que invade o seu coração e sua alma.
Você precisa escolher ver as coisas de um jeito novo. Você
precisa definir novos padrões e expectativas para você e para os outros. Você
precisa exigir que seu tempo seja respeitado. Você deve esperar das pessoas que
te cercam que elas sejam responsabilizadas pelas suas ações. Você precisa
priorizar uma sociedade forte e segura acima de todo e qualquer interesse
pessoal ou da sua família e amigos. Você precisa deixar que cada um lide com os
seus próprios problemas, assim como você não deve esperar que ninguém seja
obrigado a lidar com os seus.
Essas são escolhas que precisam ser feitas diariamente. Até que
essa revolução interna aconteça, eu temo que seu destino seja repetir os mesmos
erros por muitas outras gerações que estão por vir.
Você tem uma alegria que é rara e especial, Brasil. Foi isso que
me atraiu em você muitos anos atrás e que me faz sempre voltar. Eu só espero
que um dia essa alegria tenha a sociedade que merece.
Seu amigo,
Mark
(Mark Manson)
11/02/2016
Traduzido por Fernanda Neute
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