terça-feira, 4 de setembro de 2012

O Templário e Saladino - Emocionante narrativa



Deitado em seus aposentos, localizados bem próximos a base da muralha, olhava fixamente para o teto de pedra finamente decorado com afrescos retratando os santos martirizados rodeados por arabescos complexamente desenhados e com cores berrantes. Desde sua infância, quando ouvia as histórias contadas pelos mais velhos ao narrarem os feitos heroicos deles e de seus companheiros de batalha, desejava estar ali.

Comandar aquela guarnição era o ápice de uma carreira militar firmemente assentada no sacrifício, na devoção, na coragem, na destreza em combate – provada em muitas batalhas – e na fé religiosa inabalável.

Como o comandante mais novo de todo o contingente templário, algo o assustava mais do que qualquer combate: justamente essa sua fé inabalável, que o trouxera até ali, se esmaecia a cada dia em que mergulhava naquela carnificina sem sentido e na coleção de mentiras na qual se transformara aquela Cruzada.

Mesmo tendo jurado obediência aos desígnios de seus superiores e do Papa, não podia deixar de se perguntar se o Cristo se aprazia realmente com aqueles massacres e com toda a fúria e ódio que ele presenciara.

Somente ali, no silêncio e na penumbra de seu quarto, podia se permitir duvidar de sua fé, de sua honra e de suas habilidades como guerreiro e líder. Mas, mesmo sendo o mais vitorioso de todos os combatentes templários, imaginava quais os motivos reais estariam por trás de tantas mortes e tanta dor.

No fundo de seu coração, a ideia de poder ter sua alma condenada ao fogo do inferno por um capricho de outros o atormentava cada vez mais frequentemente.

Tudo o que ele ouvira enquanto treinava para estar ali, as histórias de heroísmo e abnegação e a moralidade inabalável de seus superiores haviam se convertido em um monte de mentiras. As violências, os massacres, a falta de respeito com os derrotados e com os mortos e a selvageria incivilizada constantemente atribuída aos sarracenos nunca foi provada em batalha. Muito pelo contrário, toda a violência sem sentido, as violações dos princípios morais da guerra e os massacres mais hediondos eram cometidos sempre pelos Cruzados. Como dizer então que eles estavam ali cumprindo a vontade de Deus?

Perdido nesses pensamentos, que lhe garantiriam uma morte lenta e torturante se viessem à tona, nem percebeu o alvoroço que começava a se formar no pátio da fortaleza. Absorto em seus próprios problemas e consumido pela culpa, o guerreiro honrado e poderoso sentia-se derrotado e acovardado pela culpa e pelas incertezas. Sua consciência atormentava sua alma e os pensamentos sombrios há muito não permitiam que descansasse em paz como devia.

De repente, um enorme estrondo seguido por um tremor tão intenso que fez toda a grossa muralha parecer oscilar por um instante percorreu cada canto da fortaleza e despertou o guerreiro de sua letargia. Uma confusão crescente, recheada de gritos, do som de armas se enfrentando e de urros de dor; levou ao jovem comandante a inequívoca mensagem de que uma nova batalha se iniciava. Vestiu sua armadura, com a ajuda de seu fiel servo, e abandonou seus aposentos indo em direção ao pátio da fortaleza.

Chegando lá, percebeu num simples relance que a batalha já estava perdida. O estrondo ouvido e o tremor sentido nada mais eram do que o fruto do trabalho dos sapadores sarracenos. Usando as mesmas técnicas que ele vira em outras batalhas, os soldados haviam solapado – sem que ninguém desse conta disso – as fundações de parte da muralha e causado o seu desabamento. Pelo enorme buraco formado, uma horda de sarracenos invadiu a fortaleza como uma onda humana sem fim.

De onde estava, o guerreiro sabia que a pequena guarnição estava condenada e seria subjugada em pouco tempo. Chamou seus servos e ordenou-lhes que abandonassem a fortaleza pelo túnel cavado atrás da pequena capela e levassem com eles os feridos e os que mais quisessem.

Olhou em volta, enquanto subia no cavalo, feliz por finalmente seu sofrimento terminar (em breve estaria diante de Deus e saberia se seus atos eram verdadeiramente honrados ou não). Com uma oração, partiu a galope para o meio da confusão mortal que já tomava conta do pátio da fortaleza.

Saltou sobre as frágeis barricadas erguidas pelos seus companheiros combatente a pé e afundou num enorme mar de homens irados, lanças, espadas e escudos que se enfrentavam ferozmente. Desaparecendo no caos da batalha, seu cavalo foi mortalmente atingido por uma lança sarracena e o derrubou da cela.

Combatendo desmontado, aos poucos fez abrir uma clareira havia mergulhado na horda sarracena, por trás das barricadas seus comandados assistiam com um misto de terror, orgulho e admiração a destreza em combate do líder fazendo cair por terra os corpos agonizantes e destroçados de seus inimigos. Mesmo com toda confusão do calor do combate, os defensores sentiam uma certa paz de espírito ao se defrontarem com a morte certa sabendo que seu comandante mostrava-se tão obstinado quanto heroico.
Num determinado momento, ouviu-se um grito tão alto que sobrepujou todo aquele ruído de metal se chocando; urros de dor dos feridos e moribundos e o som agourento dos lamentos dos covardes. Parte da horda sarracena recuou e postou-se em fileiras a frente do enorme buraco feito na muralha.

Corpos mutilados, de ambos os lados, jaziam em toda parte, formando montes de carne, entranhas e ossos expostos que exalavam aquele terrível cheio de sangue e do conteúdos das tripas rasgadas dos feridos. De pé, bem no centro de um desses montes, o cavaleiro templário fincou o pé no chão enlameado pela mistura de pó, sangue e dejetos.

Ofegante, olhou a sua volta. As barricadas, já rompidas, estavam repletas de corpos e uma pequena fração da sua guarnição estava encurralada pouco atrás de onde ele estava. Simplesmente não imaginava por quais motivos o ataque sarraceno se detivera. A vitória era clara e definitiva.

Foi quando ele ergueu os olhos para a figura imponente, trajada com a riqueza de um nobre e montada em um cavalo tão negro que parecia exibir um brilho azulado como uma leve aura mágica.

Parado a poucos metros dele, o homem no cavalo sorriu e cumprimentou o jovem templário – usando palavras que ele podia compreender – pela sua destreza em combate e pela sua enorme coragem.

Falava com uma sinceridade cativante e uma serenidade própria dos homens que já viveram muito e aprenderam mais ainda com a dureza da vida. Perguntou seu nome e o jovem templário respondeu sem baixar seu escudo e sua espada.

O nobre sarraceno, sorriu mais uma vez – como um pai faria diante de um filho querido – e gritou, anunciado o nome do jovem, para que todos pudessem ouvir.

Um murmurinho percorreu a multidão de sarracenos. Olhares assustados e admirados eram trocados, ao mesmo tempo que gritos de guerra e evocações a Alá estouravam aqui e ali. Acuados num canto do pátio, o pequeno grupo de cruzados sobreviventes, não conseguia compreender o que estava acontecendo e já imaginavam se seriam queimados vivos ou torturados até a morte pela horda que gritava enfurecida e se agitava cada vez mais.

O nobre ergueu sua mão e todas as vozes se calaram ao mesmo tempo. Um silencio respeitoso tomou conta da velha fortaleza e só a voz grave e potente dele era ouvida:
- “Sua honra, sabedoria, humildade e respeito aos vencidos é conhecida de seus inimigos. Sua queda em combate seria uma grande honraria para mim ou qualquer um de meus homens. Mas, em respeito a tudo em que acredito e ao seu comportamento, sempre magnânimo, com meus irmãos derrotados por você; eu permitirei que deixe a fortaleza com vida, juntamente com o que restou dos seus soldados. Basta, para isso, que derrote meu campeão em um combate justo”.

O jovem templário, ofegante e coberto de sangue, sabia que talvez não tivesse mais forças para combater um soldado descansado e bem treinado. Mas, como aquela era a única chance de seus homens e dele mesmo; aceitou o desafio do nobre. Gritou, o mais alto que pode, que estava pronto.

A horda sarracena gritou em uníssono e começou a bater nos escudos enlouquecida pela antevisão do espetáculo. De trás das fileiras, que agora cercavam todo o interior da fortaleza e se tornaram quase num aglomerado compacto de corpos, escudos e espadas, surgiu um enorme sarraceno com a pele coberta por cicatrizes, braços extremamente fortes e pernas que pareciam dois pilares de construção.

Em seus olhos o templário podia ver o ódio inflamado e o desdém que o inimigo sentia. Sem se acovardar, postou-se em posição de combate e chamou o seu oponente enfurecido para a luta.

A espada do campeão sarraceno brilhou no ar e encheu todo o lugar com o um som metálico ao encontrar a do templário que aparou o golpe. Os urros e gemidos de ambos os combatentes eram os únicos sons ouvidos naquela cena, além do bater do aço e o encontrar de escudos.

O combate se prolongou por vários minutos e ambos já mostravam sinais de cansaço. O jovem templário estava em pior estado e sentia, cada vez mais, a dureza e a força dos golpes de seu oponente. Uma dor terrível percorria seu corpo e reverberava em cada fibra muscular como um enorme tambor. Sua cabeça pulsava, como se fosse prensada por dezenas de tenazes. Seus olhos eram encobertos pelo suor e sua visão ficava embaçada pelo enorme esforço de defender-se dos golpes constantes e arrasadores.

Num deslize do jovem templário, provocado pelo cansaço do combate e pelas dores atrozes, a espada sarracena atingiu-lhe o braço, sobre a cota de malha, derrubando-o. O sangue corria pelo ferimento aberto e seu braço pendia inutilizado. Agora, o fim estava próximo – pensou o templário – sem poder usar o escudo, seria questão de pouco tempo até o golpe fatal.

Diante da plateia que assistia a tudo com a respiração contida, metade delirante e metade estarrecida, o sarraceno acertou um golpe de sorte que fez a espada do jovem templário voar para longe. No mesmo instante, um único pensamento surgiu na mente do jovem guerreiro: “é o fim”. Exaurido pelo combate, ferido gravemente e sangrando muito; caiu de joelhos e ergueu a cabeça para aguardar o golpe final.

O campeão sarraceno aproximou-se – embalado pelos gritos vitoriosos da horda enlouquecida – ergueu sua espada e, com toda força, desferiu um golpe mortal visando o pescoço do jovem templário. A lâmina reluziu ao sol; desceu velozmente e – diante da multidão incrédula – parou no ar a poucos milímetros da garganta do templário caído.

O sarraceno, sem compreender o ocorrido, colocou toda a sua força na lâmina pressionando-a contra a garganta do jovem e, mesmo assim, a espada não fazia mais, golpe após golpe, do que deter-se antes de tocar o homem.

Aos gritos de feitiçaria e confusos pelo ocorrido, dois outros soldados sarracenos atiraram flechas em direção ao corpo do guerreiro ferido. O nobre, ao perceber o ocorrido e furioso pelo comportamento desonroso dos seus, fez um gesto e ambos foram mortos imediatamente por seus próprios colegas. Simultaneamente, as flechas atiradas contra o jovem ajoelhado naquele pátio interromperam seu voo como se fossem detidas por mãos invisíveis.

Os sarracenos recuaram assustados e, sem saber o que estava acontecendo, ficaram aguardando as ordens do nobre.

Este, com os olhos marejados pelas lágrimas desceu de seu magnífico cavalo e, aproximou-se do guerreiro ainda caído.

Carinhosamente, abraçou o jovem, o ergueu do chão e colocou as rédeas do magnífico cavalo em suas mãos. Ao se voltar para partir, o nobre disse:

- “Eu sou Salah al-Din Yusuf ibn Ayub.
-  Vocês me conhecem como Saladino. Aquilo que presenciamos aqui hoje é mostra de que Alá protege o justo, o misericordioso e o honrado. Se Ele não deseja a sua morte, quem sou eu para ir contra a Sua vontade. Vá em paz, irmão, e que Alá guie seus dias e olhe pelo seu regresso ao lar e para junto dos que ama”.

Dizendo isso, deu as costas para o jovem incrédulo e, montando em outro cavalo, retirou-se rapidamente com toda a horda sarracena.

Os soldados correram para ajudar o jovem templário e o colocaram junto a sombra de uma enorme tamareira. Ao removerem seu elmo, perceberam que ele chorava. Sua mente era tomada por pensamentos conflitantes que o tragavam para um redemoinho de emoções.


Deus salvou a sua vida e, no mesmo golpe, mostrou que os homens – mesmo quando rezam para um Deus diferente – podem ser justos, bons, e honrados.

Ainda havia esperança para sua alma e, imediatamente percebeu que jamais esqueceria daquele nobre sarraceno que trouxera a luz de volta a sua vida e a paz a sua alma.

fonte - contos ancestrais

Arthurius Maximus

Um comentário:

  1. Amigo anonimo, eu nao escrevi esse texto, apenas publique o memso no blog. rsrsrs

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Fico-lhe grato por sua participação no meu blog. Continue me ajudando. Obrigado