quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

DESTRUIÇÃO DE JERUSALÉM 70 DC - 3 ª parte

  A fim de isolar a cidade hermeticamente, Tito ordenou a construção de uma circumvallatio. 

Torre de Circunvallatio com catapulta

Revezando-se dia e noite, as tropas construíram, num vasto arco ao redor de Jerusalém, um alto e forte muro de terra, reforçado por treze construções fortificadas e vigiado por uma espessa cadeia de postos. Se até então os sitiados ainda podiam, durante a noite, furtivamente, através de túneis e fossos, levar algumas provisões para a cidade, a circunvalação impediu também esse último e escasso reabastecimento.

O espectro da fome apoderou-se da cidade super povoada pelos peregrinos; a morte fazia uma colheita terrível. A ânsia de comer fosse o que fosse não conhecia mais limites, matava qualquer outro sentimento humano.

“A fome, cada vez mais insuportável, aniquilava famílias inteiras entre o povo. Os terraços estavam cheios de crianças e mulheres desfalecidas, as ruas juncadas de velhos mortos. Crianças e jovens, cambaleantes, erravam como fantasmas pela cidade, até que caíam. Tão esgotados estavam que não podiam mais enterrar ninguém e caíam sobre os próprios mortos ao enterrá-los. A miséria era indizível e, apenas surgia em algum lugar a simples sugestão de qualquer coisa comestível, começava logo uma luta para apoderar-se dela, e os melhores amigos lutavam entre si, arrancavam uns aos outros as coisas mais miseráveis. Ninguém acreditava que os moribundos não tivessem algum alimento. Os ladrões se atiravam aos que jaziam nas últimas e revistavam-lhes as roupas. Esses ladrões andavam de uma lado para outro, batendo às portas das casas como ébrios. Em seu desespero batiam freqüentemente duas ou três vezes num dia à mesma porta. Sua fome era tão insuportável que os forçava a mastigarem tudo o que encontravam. Apanhavam coisas que nem mesmo os animais comuns tocavam sequer e muito menos comiam. Havia muito que tinham começado a roer seus cinturões e sapatos e até mesmo o couro dos casacos. Muitos até feno velho comiam, e havia outros que reuniam talos de erva e vendiam um insignificante peso dela por quatro dracmas áticas...

Mas por que descrevo essas vergonhosas indignidades a que reduziu os homens, levando-os a comerem coisas tão inaturais? Pergunta Flávio Josefo em sua obra sobre a Guerra dos Judeus.

“Porque escrevo sobre um acontecimento paralelo em nenhuma história, nem entre os gregos nem entre os bárbaros. É horrível falar a respeito e inacreditável para quem o ouve. De bom grado, com efeito, eu passaria por alto essa nossa calamidade para não adquirir fama de transmitir uma coisa que parecerá tão indigna à posteridade. Mas houve muitos testemunhos oculares no meu tempo. Além disso, o meu país teria pouco motivo para me agradecer se silenciasse a miséria que sofreu nesse tempo.”

Josefo, cuja própria família sofreu com os sitiados, não recuou nem mesmo diante de um episódio desumano que prova que o desespero da fome já começava a turvar a razão dos israelitas.

Os zelotes percorriam as ruas em busca de alimento. De uma casa saía cheiro de carne assada . Os homens penetraram imediatamente na habitação e pararam diante de Maria, filha da nobre família Bet-Ezob, extraordinariamente rica, da Jordânia oriental. Maria tinha ido como peregrina a Jerusalém para a festa da Páscoa. Os zelotes ameaçaram-na de morte se não lhes entregassem o assado. Pertubada, a mulher estendeu-lhes o que lhe pediam, e eles viram, petrificados, que era um recém-nascido meio devorado ­- o próprio filho de Maria.

Não tardou que toda cidade soubesse do caso; mais ainda, a notícia trânspos os muros e chegou ao acampamento romano. Tito jurou que cobriria essa ação infame com as ruínas de toda a cidade.

Muitos fugiam a morte pela fome encobertos pela escuridão e iam sofrer sorte igualmente terrível nas mãos do exercito. Entre as tropas auxiliares espalhara-se o rumor de que os fugitivos sempre levavam consigo ouro e pedras preciosas, que engoliam na esperança de que não caíssem em poder dos estrangeiros. Apanhados, os fugitivos eram mortos sem saber por quê , e indivíduos ávidos abriam-lhes o corpo. Assim encontraram a morte dois mil só uma noite. Tito ficou enfurecido; sem piedade, mandou sua cavalaria dizimar toda uma unidade de tropas auxiliares e uma ordem do dia estabeleceu a pena de morte para esse crime. Mas não adiantou muito; a chacina continuou secretamente.

Dia e noite, entretanto, os aríetes martelavam no arrabalde de Jerusalém. Eram aplicadas novas rampas de assalto. Tito urgia seus homens. Queria terminar com o pesadelo o mais depressa possível.


No princípio de julho, seus soldados tomaram de assalto o Antônia, castelo em cujo litostroto fora sentenciado Jesus de Nazaré foi arrasado até os alicerces. Seus muros confinavam com a parede norte do templo.

Chegou a vez do conjunto do templo, aquela poderosa e fortificadíssima construção, com galerias, balaustradas e pátios. O comandante supremo reuniu em conselho seus oficiais. Muitos eram de opinião que o templo devia ser tratado como uma fortaleza. Tito foi contra. Ele queria fazer todo o possível para poupar o famoso santuário, conhecido em todo Império Romano. Por meio de arautos, propôs aos sitiados se renderem sem combate. A resposta foi de novo negativa. Só então Tito dirigiu seus assaltos contra o sagrado recinto.

Uma saraivada de pedras e uma chuva incessante de flechas começaram a cair sobre os pátios. Os judeus lutavam como possessos e não cediam. Confiavam em que no ultimo momento Jeová acorreria em seu auxilio e salvaria o santuário. Mais de uma vez os legionários, servindo-se de escadas, galgaram as muralhas. Outros tantos foram repelidos. As catapultas e os aríetes revelaram se imponentes contra os muros. Era impossível demolir aqueles blocos enormes de cantaria assentes no tempo de Herodes. Para forçar uma entrada, Tito mandou incendiar as portas de madeira do templo.
 Tão logo as portas foram queimadas, deu instruções para que as chamas fossem apagadas a fim de abrir passagem para o assalto dos legionários. A ordem de Tito para o ataque dizia que “poupasssem o santuário”. Mas o fogo, durante a noite, havia chegado até o peristilo, e os romanos tiveram de concentrar todos os esforços na tarefa de apagar as chamas. Os sitiados aproveitaram esse momento propício para um ataque violento. No inesperado combate, os legionários repeliram os judeus, fizeram-nos retroceder e perseguiram-nos através dos pátios. No tumulto selvagem que se estabeleceu, os combatentes incendiaram o santuário. Excitado e exaltado, “um soldado apanhou uma tocha, sem esperar qualquer ordem e sem se horrorizar com o seu ato, ou antes impelido por algum demônio, e, levantado por um camarada, jogou o fogo através da `janela dourada`, que dava para as câmaras contíguas ao sacrário”.

Essas câmaras eram revestidas de madeira velha e continham, juntamente com substâncias facilmente inflamáveis para os sacrifícios, recipientes com óleo bento. A chama das tochas encontrou imediatamente rico alimento. Tito viu as chamas subirem e tentou impedir a propagação do incêndio.

Então César deu ordem de apagar o incêndio gritando para os soldados que combatiam e, ao mesmo tempo, fazendo sinal com a mão direita. Mas os soldados não ouviram o que ele dizia, embora ele gritasse bem alto... E, como César não estava em condições de refrear o furor dos soldados e o fogo avançava cada vez mais, foi com seus comandantes ao sagrado recinto do templo ver o que havia... As chamas ainda não haviam atingido as câmaras internas, tendo consumido somente as exteriores ao redor da casa santa. Com efeito, Tito compreendeu que o templo propriamente dito ainda podia ser salvo, e fez todo o possível para persuadir os soldados a apagarem as chamas, dando ordem ao centurião Liberalius e a um dos membros da sua guarda pessoal para que açoitassem com paus os soldados e os refreassem. Mas por maior que fosse o seu entusiasmo por César e o medo que tinham de desobedecer-lhe, o seu ódio aos judeus e a sua vontade de lutar contra eles eram igualmente grandes.
“Além disso, muitos eram impelidos pela esperança e saque. Vendo que tudo ao seu redor era de puro ouro, pensavam que muitas daquelas câmaras interiores estavam cheias de ouro... E assim queimaram todo o templo sem o consentimento de César.”

Em agosto do ano 70, os legionários romanos implantaram suas insígnias o recinto sagrado dos judeus e sacrificaram nele. Embora metade de Jerusalém estivesse nas mãos dos inimigo, embora, fatidicamente, colunas de fumo negro subissem do templo em chamas, os zelotes não se entregaram.

João de Gischala escapou com uma grande multidão do recinto do templo para a cidade alta, na colina ocidental. Outros fugiram para o palácio de Herodes, com suas fortes torres. De novo os sapadores , a artilharia e as máquinas de demolição de Tito puseram em ação sua brilhante técnica de assédio. Em setembro, também esses muros foram abatidos, foi conquistado o último baluarte. A resistência estava definitivamente vencida.

Assassinando e saqueando, os vencedores tomaram posse da cidade que lhes opusera resistência tenaz e encarniçada e que tanto sangue e tempo lhes havia custado. 

“César ordenou que toda a cidade e o templo fossem arrasados. Deixou apenas de pé as torres Fasael, Hípico e Mariana e uma parte do muro da cidade no lado ocidental. As torres foram utilizadas como alojamento para a guarnição que aí ficou.”

por José Cantos L. Filho

Continua na proxima postagem....

01-12-2011

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