Com sentimento de longa saudade, abordo este tema que me traz
lembranças e emoções, creio também, para inúmeros amigos e amigas. Quem nasceu
na cidade grande, sobretudo a ela foi incorporado em seus hábitos e não teve
raízes no sertão, não pode medir a importância do carro de boi no
desbravamento, no progresso, no transporte, muito mais, na família. Nos
romances que se desdobraram em casamentos, na culinária, nos costumes e nos
festejos.
O carro de boi chegou ao Brasil em 1549, com carpinteiros e
carreiros práticos providenciados pelo governador Tomé de Souza, já se ouvindo
em Salvador, naquela época, o “cantar” de suas rodas nas ruas da capital
baiana. Manteve a indústria açucareira, da roça ao engenho, do engenho às
cidades. O carro de boi foi o veículo que fez a maior parte do transporte
terrestre dos séculos XVI e XVII, levando material de construção para o
interior e voltando para o litoral carregado com pau Brasil e produtos
agrícolas produzidos na lavoura do interior.
No Brasil Colonial, levava famílias de um povoado para outro e era
comum ser transformado em “carro fúnebre”. Sempre foi indispensável
em todas as regiões do país, inclusive na Guerra do Paraguai, transportando
munições.
Mas depois vieram os burros, tropas e o carro de boi ficou em
segundo plano. Na sequência, os cavalos para puxar carroças e carruagens e ai o
carro de boi foi expulso das cidades, ficando o seu uso permitido somente no
meio rural. A decadência foi acelerada com os veículos motorizados. Mas ainda
em regiões longínquas, o carro de boi existe com muita utilidade.
O seu valor cultural não pode ser desprezado e os seus últimos
usuários e colecionadores desse meio de transporte rústico e simbólico, prestam
suas homenagens em diversos festivais e encontros pelo país.
Livros, crônicas, poesias e músicas narram a riqueza da tradição,
como registra o livro do padre Luiz Alberto Vieira Rodrigues, Editora da PUC –
Goiás, “Carreiros – Fé, e devoção ao Divino Pai Eterno e práticas educativas
junto aos carreiros de Mossâmedes”.
Na introdução da obra o autor afirma: “As ações educativas
praticadas entre os Carreiros de Mossâmedes perpetuam a tradição de romaria em
devoção ao Divino Pai Eterno. Entre essas ações, estão os laços de amizades, os
parentescos, as práticas diárias, educativas e religiosas como experiências de
vida transmitidas na inter-relação sociocultural que, por sua duração temporal,
se transformaram em tradição educativa, religiosa e cultural entre os
carreiros. Assim, romaria, memória e tradição são categorias de análise
empregadas para a compreensão das relações entre os sujeitos que compõem o
grupo de carreiros do município de Mossâmedes e de sua romaria ao Divino Pai
Eterno, em Trindade – Goiás”.
Convido-o a levar o seu filho, seu neto, para assistir, ouvir e
sentir o magnífico e emocionante desfile dos carreiros que se realiza na festa
de Trindade, este ano, de 28 de junho a 7 de julho, com o desfile dos carros de
boi acontecendo dia 4 de julho, quinta feira de 09 às 15 horas.
Do site colaborativo voltado para a cultura brasileira
“Overmundo”, transcrevo a narrativa triste e alegre do carreiro Francelino Antunes
de Carvalho, que sorridente disse em 2008: “Quando o carro ia entrando na
cidade e as moças ouvia o som do baixão, corriam pra porta pra vê quem tava
chegando, aí a gente sorria e acenava com o chapéu”.
Com o semblante triste seu Francelino diz sobre a despedida de
um boi: “Quando o boi já
não dava mais para o trabalho a gente levava ele para o curral do matador. Era
muito triste e eu nem gostava de vê. O boi sabia que ia morrê e do seu zói
curria água”. Seu Francelino se cala e de cabeça baixa
diz: “Sabe, a gente fica
sentido, pois esses boi ajudou tanto...”
Outra história que seu Francelino contou muito animado é sobre o
namoro com dona Arminda Martins: “Quando o carro de boi passava na rua ela ficava na porta sorrindo e
acenando pra mim toda bonita e enfeitada! Como ela escutava a cantiga do carro
de longe, dava tempo de se arrumar e até passar um pó de arroz!” A
história de vida de seu Francelino e família se fez em torno de um carro de
boi.
Concluo este artigo como se estivesse vendo a caminhada indolente,
vagarosa e o cantar triste de um carro de boi, com poesia de Zé Mulato e
Cassiano, dupla sertaneja amiga do meu especial irmão maçom, José Walter
Carvalho, que assim canta ao som da viola:
“Tarde da vida, quando se amontoa os anos debruçado em desenganos
da minha desilusão, fico espiando da janela do presente, retalhos de
antigamente que me dói como ferrão. Vai boi Penacho, puxa o carro e vai embora,
já venceu a minha hora, terminou minha missão, leva essa carga de tristeza que
me invade, se couber leva a saudade que me aperta o coração. Vai boi Penacho,
puxa o carro boi Carreiro, companheiro de viagem nas quebradas do sertão, leva
essa carga, rasga o barro do caminho, se couber leva um pouquinho da mágoa
desse peão”.
A dupla Tonico e Tinoco que tanto
cantou o sertão, não podia deixar de cantar o carro de boi: “Meu velho carro de
boi, pouco a pouco apodrecendo, Na chuva, sol e sereno, Sozinho aqui
desprezado, Hoje ninguém mais se alembra, Que ocê abria picada, Abrindo novas
estrada, Formando vila e povoado, Meu velho carro de boi, Trabaiaste tantos
anos, O progresso comandando, No transporte do sertão, Hoje é um traste velho,
Apodreceu no relento, No museu do esquecimento, Na consciência do patrão”.
Escrevi com o coração sobre o saudoso
e simples meio de transporte que participou desde os primeiros anos do Brasil,
passando pela colônia e império fazendo de sua caminhada uma linda e pura
poesia encravada em todos nós que temos alma sertaneja.
“Fechando os olhos parece que vejo
estrada sem fim. É o velho carro de boi, cantando dentro de mim”.
Artigo do Grão-Mestre Barbosa Nunes
11 de maio de 2013
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