A Palavra Semestral deve ser trocada com o Cobridor da Loja que se visita, como prova da regularidade recíproca entre o visitante e a visitada. Quando Aprendiz, indaguei: como é que se processa esse “trocar”? Responderam-me que eu deveria dar ao Cobridor da Loja visitada uma falsa palavra, isto é, inventada; caso ela fosse aceita ou recusada, haveria a prova da irregularidade ou regularidade da Loja.
E, à guisa de pá-de-cal, me foi acrescentado: se a Loja for regular, o Cobridor não aceitará tal “troca” e voltará a pedir a Palavra — e aí sim! — darás a verdadeira, aquela recebida na Cadeia de União. Ponderei que a explicação não abrangia todas as possibilidades, inclusive a do Visitante ser colocado no olho-da-rua, por irregular ou por metido a engraçadinho... Ante o frio olhar do Mestre, calei-me.
O tempo passou. Visitei muitas Lojas. Nunca foi necessário trocar a Palavra Semestral com quem quer que fosse, embora a dúvida de como proceder continuasse latente no subconsciente. Até que um dia, ao longo das pesquisas e estudos, inesperadamente, nas últimas páginas da obra “A Simbólica Maçônica” — de Jules Boucher — lá estava a resposta concisa à invencionice que tentaram me impingir (e, sabe-se lá, a quantos outros).
Então, juntei o dito por Jules Boucher com outras leituras e, hoje, tantos anos passados, creio estar suficientemente informado para explicar, sem “magister dixit”, aos Aprendizes de agora, a verdade sobre tal assunto, vazada num texto simples, como eu gostaria de ter recebido em 1977/78. Buscando reunir as informações essenciais à compreensão do tema, situá-lo no tempo e resumir seus eventos desencadeantes, vejamos.
A Maçonaria Francesa do século XVIII — de onde, em grande parte, o nosso Rito provém —, foi pródiga em Graus, Ritos e Corpos: quase 400 Graus, mais de 50 Ritos e, englobando tudo isso, diversas Ordens e Obediências/Potências. Evidentemente, todas digladiando-se por precedências. No sentido de amplitude, no de entrecruzar caminhos, descaminhos e trilhas — “uma savana” — verbera Allec Mellor.
Assim, lá por 1770, existiam três grandes Potências/Obediências: duas Grandes Lojas, a da França e a Nacional de França, mais o Conselho dos Imperadores do Oriente e do Ocidente (Grande e Soberana Loja Escocesa de São João de Jerusalém), além de vários Grupos e Lojas esparsas.
No início de 1773, buscando dar fim ao divisionismo, limitar o número de Graus e, segundo dizem, para impor soberania à Maçonaria Francesa, a maior parte da Grande Loja da França (e outras dissidências) reestruturou-se como “Ordem Real da Maçonaria em França”, gerando e dando à luz — em 24.05.1773 — ao Grande Oriente de França, Potência que, em 28 de outubro daquele ano, empossa seu primeiro Grão Mestre, Felipe de Orleans, Duque de Charters (1).
Afora a estranha personalidade de tal Grão-Mestre (2), o que importa assinalar é o fato de que na data de sua posse nasceu a Palavra Semestral (3), criada para impedir a presença de Maçons não filiados às reuniões do GOF. Foi uma medida bem diferente daquela tomada em 1730 pela Grande Loja de Londres que, ao trocar a seqüência das colunas de BJ para JB, buscava impedir o acesso de profanos nas Lojas, em decorrência das “inconfidências” de Prichard, quando publicou nossos “segredos” num jornal londrino.
Contrariamente, o GOF atingia os Maçons, tentando obrigá-los à filiação na nova Potência, limitando o livre direito de visitação até então vigente.
Concluído o cenário e vistas às motivações que ensejaram o nascimento da Palavra Semestral, vejamos como ela foi planejada para ter eficácia, no sentido concebido por seus mentores, os quais, com inteligência, uniram dois usos tradicionais: um militar, o da Senha; e o outro obreiro, o da Cadeia de União (4). Tais parâmetros foram conjugados e, até hoje, mantidos em vigor nas Potências Escocesas da Europa, assim:
a) A PS não é UM só vocábulo, são DOIS, ambos com a mesma inicial; por exemplo: Luz/Lua, Sol/Saber ou Fé/Força... É Senha e Contra-Senha ou melhor, tal como se diz na França: são as palavras semestrais;
b) Na Cadeia de União a palavra sai do Venerável Mestre, uma palavra vai pela direita, a outra pela esquerda; e, segue até o Mestre de Cerimônias que esta de frente ao Venerável, este diz do acerto da recepção: “J\P\”. Caso ocorra algum erro, o procedimento e repetido ate o seu acerto, ou não..
No nosso caso, a existência de uma só Palavra Semestral, em vez de duas, podemos creditar somente ao desconhecimento do tema, tanto por tradutores quanto por autoridades litúrgicas, os quais — por certo — desconheciam a História da Franco Maçonaria de Findel, que à pág. 65, descrevendo uma iniciação de antanho, quase ao final diz: “Era libertado da venda de seus olhos, mostravam-lhe as três grandes luzes, colocavam-lhe um avental novo e davam-lhe o santo e a senha (o grifo é nosso), conduzindo-o ao lugar que lhe correspondia no recinto da Assembléia”. Santo-e-Senha, segundo os dicionaristas, são palavras de mútuo reconhecimento.
Aliás, fazendo-se um parêntese, os nossos Veneráveis recebem a Palavra Semestral inserida num triângulo (?) e cifrada num código primário, para não dizer infantil, quando bem poderirocedimento é repetido até poder ser dado como correto.
À luz do até aqui exposto, retornando à indagação inicial de como “trocar” a Palavra Semestral com o Cobridor, bastaria que o visitante desse a Senha (uma palavra) e recebesse a Contra-senha (a outra palavra) para que, inegavelmente, ficasse estabelecida a regularidade de ambos. Ou seja, a do visitante e a da Loja. Tudo simples, sem invencionices, de forma inteligente!
Aqui poderíamos dar por concluído este trabalho, mas nossos leitores talvez ficassem com duas indagações:
1ª) A implantação das Palavras Semestrais surtiu o efeito desejado?
2ª) Por que nós temos somente uma Palavra Semestral?
Respondendo-as, ressalvando a existência de divergências entre os historiadores, podemos dizer que:
Concluindo, embora desagradando aqueles que buscam origens místicas e mágicas em tudo quando maçonicamente nos cerca, vimos que a Palavra Semestral nasceu de uma contingência nada esotérica. No mais, acreditamos ter ficado evidente a forma equivocada de transmitir e trocar a Palavra Semestral, totalmente em desacordo com a tradição mais que bicentenária.
Por fim, com a última Palavra Semestral distribuída pela Confederação da Maçonaria Simbólica do Brasil, a do primeiro semestre de 2001, apressadamente julgamos ter retornado ao tradicional molde de Senha — Contra Senha. Ledo engano, mas razão suficiente para reformatarmos este trabalho e continuarmos esperando que, um dia, a Palavra retorne à forma originária. Caso isso não aconteça — o que é bem provável — contentamo-nos em fazer a nossa parte: a de difundir mais uma informação sobre nossos Usos e Costumes, para proveito dos cultores das Tradições do R\E\A\A\ .
NOTAS 1- Sendo seus oficiais: o Duque de Montmorency — Luxemburgo (Administrador-Geral); o Conde de Buzencois (Grande-Conservador (!?); o Príncipe de Rohan (Representante do GM); o Barão de Chevalerie (Grande Orador); o Príncipe de Pignatelly (Grande Experto).
2 – Militante revolucionário que, sob o cognome de Felipe-Igualdade, votou na Convenção pela morte de seu primo e Irmão, o rei Luiz XVI. Além disso, em quase vinte anos de mandato, poucas vezes presidiu os trabalhos do GOF; ao fim, renunciou e abjurou a Maçonaria. Foi expulso da Ordem e sua espada foi quebrada “em Loja”. Acabou seus dias guilhotinado como contra-revolucionário.
3- Segundo o Dic. De Frau Ablines (elencado na bibliografia), a Palavra nasceu em 23.07.1777, sob a alegação de que “convencidos por uma larga experiência da insuficiência dos meios empregados para afastar os falsos Maçons, acreditamos que o melhor que se pode fazer é rogar ao Grão-Mestre que dê a cada seis meses uma palavra, que se comunicará aos Maçons regulares, por meio da qual se farão reconhecer nas Lojas que visitarem.”
4- Não era, e continua não sendo, um costume universal da Maçonaria, pois presumidamente nasceu na Compagnonnage, corporação obreira do continente europeu que não penetrou na Maçonaria de Ofício Insular (Ilhas Britânicas); conseqüentemente, a Maçonaria de origem Anglo-Saxã não pratica a Cadeia de União, dizendo-a fora dos cânones maçônicos.
5- Os Mestres de Loja, como eram chamados naquela época, tinham conseguido tornar-se donos de Lojas particulares, inamovíveis até 24.05.1773. Nesta data, criado o GOF, foi usado pela primeira vez a expressão “Venerável Mestre de Loja”; e declarado que, daí em diante, não se reconheceria o Mestre elevado àquela dignidade, senão pela livre escolha dos membros da Loja.
Adayr Paulo Modena
Deputado do Grão-Mestre da
Grande Loja Maçônica do Estado do Rio Grande do Sul
BIBLIOGRAFIA
A Franco-Maçonaria Simbólica e Iniciática — Jean Palou.
A Simbólica Maçônica – Jules Boucher.
Dicionário da FM e dos F. Maçons — Ajec Mellor.
Dic. Enciclop. de la Masonería — Don Lorenzo Frau Abrines e Don Rosendo Arús Arferiu.
Gr. Dic. Enciclop. de Maçonaria e Simbologia — Nicola Aslan.
Jornal “Le Monde”, artigo publicado em 15.09.2000 — Alain Bauer, Grão-Mestre do GOF.
O R.E.A.A. — José Castellani.
Programa Radiofônico — Domingo, 05.11.2000 — Entrevista do Grão-Mestre do GOF, Alain Bauer.
Revista “A Renascença” nº 22 — abril de 1998.
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